Tuesday, March 5, 2013

Simetrias, diferenças, igualdades e lero-lero

 

Na realidade nem ia escrever sobre esse assunto, mas agora que achei um gancho, vamu lá!

A meu ver o dia em que uma vasta multidão de brasileiros passou a odiar Rubens Barrichelo foi aquela manhã, em 2002, na Áustria, em que Rubens teve que deixar Michael Schumacher passa-lo e perdeu uma corrida ganha. Muitos brasileiros, em vez de ficar contentes com o fato de Barrichello ter feito Schumacher de gato e sapato naquele GP (algo que nenhum outro companheiro tinha conseguido até então, nem o tri-campeão Nelson Piquet quando Schumacher era estreante), ficaram com raiva do ainda jovem piloto brasileiro por que, devido a ordens da Scuderia, teve que deixar o principal piloto da equipe ultrapassá-lo com a bandeira quadriculada à vista. A partir desse dia, Rubens foi tachado de perna-de-pau, fraco, capacho, garoto de recados, quebrador de carro, imoral, sem personalidade, sem caráter, retardatário por essência, interessado somente em dinheiro, verdadeiro mercenário, uma desgraça para o Brasil.

Existe uma inteligente expressão em inglês, que se existe em português, não me ocorre no momento. Double standard, que literalmente quer dizer padrão duplo. Aplica-se quando uma pessoa usa padrões de opinião diferentes de acordo com a circunstância. Por exemplo, quando um juiz de futebol marca um penâlti que não existiu contra o seu time, o árbitro é ladrão e a sua mãe devidamente xingada. A favor do seu time, é um grande juiz, com muita visão de jogo, um gênio do apito, e a mãe elogiada por criar tal ser humano. Esse opinante estaria usando um "double standard".

Há 29 anos antes, na mesma Áustria, Emerson Fittipaldi tentava ainda manter a sua coroa de campeão. Começara o ano bem, ganhando três dos quatro primeiros GPs, mas depois de Monaco, Emerson teve um típico mid-year slump, a famosa má fase de meio de temporada, que aflige alguns pilotos. Nada deu certo, foi jogado para fora da pista na França, abandonou diversos GPs e teve um sério acidente na Holanda, que ainda por cima prejudicou seu desempenho na Alemanha.

Ronnie Peterson era o co-número um na Lotus, e apesar de ter um desastroso começo de temporada, melhorou de produção após a primeira vitória da sua carreira na França. Estava na ascendente e nunca havia ganho um campeonato. E só havia ganho um GP até então, contra os 9 de Emerson!!!
Pois bem, nessa mesma Áustria, Colin Chapman deu ordem ao líder Peterson para abrir passagem para Fittipaldi, sonhando em manter a taça nas mãos da sua equipe. Peterson não titubeou um minuto e deu passagem a Emmo, que, infelizmente, quebrou a poucas voltas do final e perdeu o campeonato.
Nunca vi ninguém fazer muito caso do episódio, na época, ou posteriormente, xingando Colin Chapman, Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson, chamando-os de fracos, mercenários, injustos, arranjadores de resultado, sem caráter, etc, etc. É bem certo que aproximava-se a conclusão do campeonato, e que no final das contas a coisa não deu certo e Ronnie levou o caneco daquela corrida de qualquer forma. Mas é caso para se pensar. E a coincidência de país, tremenda e deliciosa.

O 'double standard' do torcedor brasileiro de F-1 aparece em diversos outros episódios. Até o próprio Schumacher foi xingado no episódio da Áustria, por proteger seus interesses e exigir uma hierarquia rígida na equipe. Só que ninguém menciona o veto de Ayrton Senna a Derek Warwick, em 1986, e o fato de o nosso grande piloto ter predileção por companheiros perna de pau como Johnny Dumfries e Satoru Nakajima, na sua fase final na Lotus.

Após a saída de Lauda da equipe, o próprio Nelson Piquet só teve um companheiro forte, Patrese, durante seus muitos anos de Brabham. Isso por imposição dos patrocinadores italianos. O resto é uma lista de pilotos sem expressão na F-1, Rebaque, Zunino, Winkelhock, Hesnault, os irmãos Fabi e Surer. Não venham me dizer que não houve imposição contratual nisso...

Pois então, onde está errada a imposição contratual de Schumacher, de ser número 1 absoluto na Ferrari? Me expliquem, por que não estou entendendo.

O double standard também ocorre na opinião sobre a igualdade de pilotos. Muitos torcedores brasileiros certamente achavam que seria mais justo a Ferrari dar status idêntico a Schumacher e Rubinho, mas quando Piquet começou a ser batido com regularidade pelo companheiro Nigel Mansell, em 1986, houve uma gritaria no Brasil. Muitos achavam que o Piquet deveria ser o piloto número um absoluto, devido a seu status de bi-campeão, ao passo que Nigel ganhara seu primeiro GP somente um ano antes. A mesma lógica não devia se repetir com Schumi-Barrica?

A mesma coisa na McLaren, alguns anos depois. Quando Senna sobrepujou Prost em 88, tudo bem, quando Prost bateu Senna em 89, tudo estava errado.

Além disso, muitos dos que achavam errado Barrichelo ser escudeiro de Schumacher em 2002, agora acham normal o atual campeão mundial Raikkonen ser escudeiro de Felipe Massa.

Acho que no esporte devemos saber ganhar e perder. Estar por cima da carne seca e estar na sarjeta. No topo, e embaixo. Não podemos mudar as nossas opiniões de acordo com as circunstâncias. Se a pessoa é contra o status idêntico nas equipes, e a favor de uma hierarquia mais rígida, assim seja, deve ter a mesma opinião em todas as circunstâncias. O mesmo em relação a jogo de equipe.
Senão, fica muito feio o comportamento do torcedor.

Por último, Freud explica. 99 entre 100 brasileiros se acham explorados pelo patrão. Queriam os nossos compatriotas que Barrichelo violasse o ditame do seu patrão, a Ferrari, pois assim muitos se sentiriam vingados por tabela, já que não podem fazer isso na vida real sem ganhar na Sena. Desculpem o trocadilho.

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