Monday, March 4, 2013

6 Horas de El Salvador, 1979

 

Inspirei-me para escrever sobre uma corrida super obscura, que, por incrível que pareça, decidiu um campeonato mundial, em 1979. As 6 Horas de El Salvador.

A América Central nunca foi um portento em questões automobilísticas. Entretanto, sonhar não custa nada, e construíram um circuito em El Salvador, pretendendo, algum dia, que fosse realizado o GP de El Salvador de Formula 1. Por isso, os organizadores precisavam colocar o circuito no mapa.

Na época o automobilismo passava por uma fase magra devido à crise petrolífera de 1979. Quem mais sofreu foi o ex-glorioso Campeonato Mundial de Marcas, que viveria um dos seus piores períodos em 1979-80-81. Até as 24 Horas de Le Mans, que durante muito tempo fora a menina dos olhos do campeonato, passara a ser uma corrida independente. Assim, o Campeonato Mundial de Marcas passou a ser uma fraca coleção de corridas com carros, e às vezes, pilotos de segunda e terceira.

O sonho da hora era unir as corridas de longa duração americanas com as européias. Pois naquela altura, as 24 Horas de Daytona e as 12 Horas de Sebring seguiam um curso independente do campeonato mundial - contentavam-se em ser corridas da IMSA.

Na época a IMSA ainda não tinha adotado o formato GTP, e suas corridas eram basicamente disputadas por GTs, como Porsches, Chevrolets Corvette e Monza, Datsuns, Mazdas, BMWs, etc. Era a categoria predileta dos poucos centro-americanos que tinham cacife financeiro (e capacidade) para correr fora dos seus países. Inclusive, salvadorenhos. Além disso, a IMSA tinha a categoria Showroom Stock, muito concorrida, disputada por carros de turismo de pequeno porte.

Junte-se tudo num liquidificador, e temos o Endurance Driver's Challenge, um campeonato criado em 1979 para Pilotos de Endurance. A idéia não era má, exceto que juntaram corridas de tipos e categorias diferentes, em áreas distantes, e pouca gente levou a coisa a sério. Por exemplo, a 24 Horas de SPA, uma corrida de carros de turismo do Grupo 2, estava incluída no 'campeonato'. Assim como as também famosas 24 Horas de Le Mans, disputada por protótipos, G5 e G4, e as 24 Hrs de Daytona e as 12 Horas de Sebring, disputadas por GTs. As 6 Horas de Daytona também faziam parte da festa,última disputada com carros de Showroom Stock da IMSA, além de outras corridas disputadas por carros de Grupo 6, 5 e 4. Ou seja, uma bela salada mista. Para piorar, a última corrida do 'campeonato' foi justamente as 6 Horas de El Salvador.

O Circuito El Jabali não era lá grandes coisas, mas a nata do automobilismo salvadorenho (acho que todos os pilotos do país) se inscreveu na corrida. Infelizmente, dos países vizinhos só havia um guatemalteco, e alguns poucos americanos. Nenhum europeu se aventurou. Diversos hondurenhos, guatemaltecos e panamenhos inscritos resolveram ficar em casa. A razão, a seguir.

Entre outros problemas, uma semana antes da realização da corrida eclodiu uma pseudo-revolução em El Salvador, com a queda do governo, que eventualmente se tornaria uma longa guerra civil. As hostilidades já eram muitas nos dias que precediam a corrida, e sem dúvida os pilotos estavam lendo os jornais. Assim que a final deste campeonato mundial, que supostamente deveria ser disputada por carros GT, teve um eclético grid. Os principais carros eram Porsches, um 935 híbrido e uns poucos 911s, ainda menos Chevrolets Corvette e Camaro. Além destes, disputou a prova um fraco De Tomaso Pantera. O resto, humildes carros de turismo com níveis variados de preparo. Preparem-se que a lista é longa e deliciosa - Mini-Cooper, Hillman Avenger, Mitsubishi Galant, Alfasud, Fiat 124, NSU Prinz, Datsun 1600, Mazda RX 3 e RX 2, Hyundai Pony, Toyota Trueno, Alfa Romeo GTAM, Honda Civic, VW Golf.

O favorito para ganhar a corrida, e o campeonato, era Don Whittington, que correria com o fake-935 com seu irmão Bill e o salvadorenho Jamsal, pseudônimo de Enrique Molins. Este último corria vez por outra na IMSA, e era considerado o melhor piloto local. O grande concorrente de Don no campeonato era o cubano-americano Tony Garcia, que correria com um 911 Carrera. A corrida foi uma baba. Vez por outra, o trio vencedor perdeu a liderança durante reabastecimento, mas a vitória foi fácil. Whittington ganhou a corrida e o campeonato, e o salvadorenho Jamsal se tornou o primeiro e único piloto do seu país a ganhar uma corrida de um campeonato mundial de automobilismo. Além disso, Jamsal era Ministro dos Esportes de El Salvador. Os salvadorenhos Carlos Pineda e Eduardo Barrientos, com Jose Garcia, dos EUA, chegaram em segundo com um 911, a cinco voltas de diferença, seguidos de Javier Garcia e Louis Serieux (ambos americanos, apesar dos nomes) com Corvette. Tony Garcia chegou em quinto.

Com o resultado, Don Whittington sagrou-se campeão, seguido de Dick Barbour, Tony Garcia e Roger Mandeville, todos americanos. De fato, o calendário favorecia os americanos e melhor não gringo foi o Rolf Stommelen. Don também havia ganho as 24 Horas de Le Mans naquele ano, portanto as coisas não poderiam ficar melhores. De fato, ficaram piores. Os Whittington apareceram do nada em 1978, comprando os melhores carros de IMSA e Indy Car, correndo em motonáutica e até comprando a pista de Road Atlanta! Ninguém tinha muita certeza de onde vinha a grana preta de Don, Bill e Dale, até que um dia alguém descobriu. A polícia. Os três eram traficantes e lavadores de dinheiro, ou seja, seu patrocinador era a dona Maria Joana, e pegaram uma cana brava. Depois de sair da cadeia, não se aventuraram mais nas pistas.

Mas naquele dia Don ganhou a corrida e o campeonato, e conseguiu sair vivo de El Salvador, apesar dos tiroteios e assassinatos na cidade.

Quanto ao GP de El Salvador, nunca saiu do mapa. Depois de muitos anos de guerra civil, quase quem sai do mapa é o próprio país. E metade da população se mandou para os EUA.

Parece roteiro de filme, não?

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