Tuesday, April 2, 2013

O início - nada auspicioso - da Silhouette

Há quem diga - e há certas evidências disso - que a FIA frequentemente militou contra o Campeonato Mundial de Endurance em seus diversons formatos, principalmente quando este ameaçava a F-1 de uma forma ou outra.

Um grande exemplo disso foi a mudança de jogo ocorrida em 1972. Depois de forçar os interessados a montar 25 unidades de carros de Grupo 5 no final de 1969, a FIA simplesmente manteve os magnifícos Porsche 917 e Ferrari 512 ativos por um pouco mais de dois anos. Quem comprou os carros visando usá-los a médio prazo no Campeonato Mundial de Marcas acabou com um caro pepino nas mãos, pois em 1972 já não serviam para nada, além de disputar corridas da Intersérie ou Can-Am, claro.

Para 1972 a FIA tinha implementado um dos seus sonhos - os protótipos de 3 litros, do Grupo 6, passariam a ser os carros dominantes. Na era da F1 de 3 litros, isto significava o óbvio ululante - queriam que os protótipos das corridas de endurance fossem nada mais do que carros de "F1 Carenados".

O sucesso deste sonho é questionável. Enquanto reinou absoluto, o campeonato dos 3 litros gerou pouco interesse entre fabricantes, e de fato, raramente a categoria dos bing-bangers tinha mais de 10 carros, pois os fabricantes não eram obrigados a produzir ou colocar na pista nenhume número de carros. Os grids tinham que ser forçosamente ampliados com protótipos de 2 litros ou de até 1300 cc, GTs do Grupo 4 ou até mesmo carros do Grupo 2, que disputavam o Campeonato Europeu de Turismo.

No meio disso, a FIA anunciava seu novo sonho, transformar o Mundial de Marcas em uma fórmula silhouette, disputado por carros de corrida baseados em carros de rua.  A ideia não era de todo má, não fosse as fortes evidências de que a coisa provavelmente daria errado. O Campeonato Europeu de GT fora criado em 1972, e durante a maior parte da sua existência, foi dominado, quantitativa e qualitativamente, por carros da marca Porsche. Salvo pela valente contribuição da De Tomaso, cujos Panteras conseguiram bater os Porsches em algumas ocasiões, o Euro GT teria sido uma Porsche Cup.

O Europeu de Turismo poderia ser tomado como uma medida de interesse de fabricantes no automobilismo na época. Em 1973 o ETC atingiu seu auge, com uma homérica batalha entre a Ford e BMW, além da participação da equipe de fábrica da Alfa-Romeo. Porém, na Europa mergulhada em recessão, as equipes de fábrica desapareceram do ETC, e em 1976, curiosamente, a única equipe da fábrica no campeonato era a Jaguar.

Sendo assim, na melhor das hipóteses, o que poderia se esperar de um campeonato Silhouette? Afinal de contas, as fábricas de carros  - e havia mais fábricas na época, do que hoje - não pareciam estar nada interessadas nas corridas em pista, e sim nos rallys. Certamente, os fabricantes de super carros, como Ferrari, Lamborghini e Maserati, não demonstravam qualquer interesse em entrar na briga. E de fato, os carros das duas últimas sequer eram homologados para competições na época.

A única que comprou a ideia desde o começo foi a Porsche, que desde 1973 começou a competir com um Porsche Carrera turbo na categoria 3000. Este carro, embrião do que seria o Grupo 5 dos sonhos da FIA, chegou inclusive a ganhar a última edição da Targa Florio válida para um Mundial, com Van Lennep e Mueller, em 1973.

A primeira corrida da nova fase do Mundial de Marcas foi realizada em Mugello, em 21 de março de 1976. Somente uma pessoa muito otimista ou cega poderia dizer que foi um sucesso. 36 carros foram inscritos, 26 tomaram tempo de classificação, e 24 largaram. Destes, pouquíssimos carros de Grupo 5. Presente estava a equipe oficial da Porsche - sempre  ela - com um carro para a dupla Jacky Ickx e Jochen Mass, que simplesmente dominou o pedaço, nos treinos e na corrida. A equipe Kremer montou a sua versão do Porsche 935, com Bob Wollek e Hans Heyer ao volante. E a BMW  preparou versões G5 do seu já manjado BMW 3.5 CSL, fornecendo-os para suas equipes satélite Schnitzer, Alpina e Hermetite. A Lancia, esperança dos italianos, havia inscrito uma Lancia Stratos turbo para Vittorio Brambilla e Carlo Facetti, que não largou. Aliás este foi o carro mais anti-climático da temporada. Em suma, somente três fábricas, a Porsche, BMW e Lancia, demonstraram algum interesse no campeonato nesta primeira corrida, e incrivelmente, durante o resto da existência inteira da categoria! (Não estou contando o DRM, obviamente).

O resto do grid foi composto de carros de diversas categorias. Muitos Porsches, desde 911, 934, e até um 914-6. Havia carros da Alfa-Romeo, Ford, Lancia, Alpine Renault e até dois Chevrolet Camaro (um deles com Arturo Merzario e outro com Reine Wissel) que participavam de corridas na Escandinávia, porém, nenhum destes carros era da propalada  categoria Silhouette.  Foram inscritos até um simplório Simca Rallye e um Opel Commodore, da categoria turismo, claro.



Durante a vida do Grupo 5 as coisas nunca melhoraram muito. Diversos 935 foram produzidos, entretanto, muitos foram despachados para os Estados Unidos, Austrália e Japão, e diversos outros usados exclusivamente no Campeonato Alemão, o DRM, composto de provas curtas, e portanto, menos custosas, que não desgastavam a maquinaria. A BMW logo desistiu do 3.5 CSL, e passou a disputar a categoria com o modelo 320, para ganhar a "categoria 2 litros", e assim praticamente garantir uma vitória em todas as corridas, sem ganhar na geral. A Lancia basicamente esperou que a BMW e Porsche deixassem o campeonato de lado, também almejando as certas vitórias na categoria 2 litros, e poder dizer que era campeã mundial de marcas, porém, merece menção honrosa por ter sido a única fábrica presente quando o G5 morreu.

Para demonstrar a falta de direção da FIA, esta realizou concomitantemente, durante duas temporadas, 1976 e 1977, um Campeonato Mundial de Carros Esporte, disputado pelos "F-1 Carenados do Grupo 6", seu sonho anterior. O resultado foi óbvio. Pelo menos dois fabricantes que poderiam ter se interessado pela Fórmula Silhouette, a Alfa Romeo e a Renault, optaram por fazer valer seu investimento na categoria esporte, a última mais interessada em desenvolver um carro para ganhar as 24 Horas de Le Mans.

Era de se pensar que a Federação tivesse aprendido sua lição dos anos 70. Porém, matou o bem sucedido Grupo C, com uma nova Fórmula 1 carenada nos anos 90...

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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